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Mídia: Controle e manipulação

“O poder de controlar o fluxo da informação é o poder de controlar a forma como o povo pensa.”
Oliver Stone

 Introdução

Neste texto vamos tratar do poderio e da capacidade de controle, manipulação ou ingerência das corporações que dominam a mídia no planeta, representado pelas grandes multinacionais controladoras do mundo dos negócios industriais, comerciais e financeiros do globo. Classificadas como as donas do mundo, dominam, secreta ou discretamente, o planeta. Essas organizações meganacionais, 25 dentre as principais, estão assim distribuídas: EUA - 11, Japão - 6, Alemanha, Reino Unido e Países Baixos - 3, Itália e Suíça - 1.

Elas abrangem bancos, conglomerado de fábricas e complexos negócios nas áreas comerciais, extrativas, de transportes e de Comunicações, empregando diretamente cerca de 5 milhões de pessoas. Se formos analisar essas organizações em termos de companhias, verificaremos que o Japão está na frente com 13 das maiores, os EUA têm 9 e a Inglaterra 3.

Todas as 25 meganacionais, direta ou indiretamente, atuam poderosamente no mundo das comunicações e agem sobre a mídia ou controlam, sob as mais diversas formas, os meios impressos e eletrônicos na maioria dos países do globo, inclusive naqueles situados no leste da Europa, após a queda do império formado pela URSS.

O poder dessas donas do mundo é imensurável, quer pela sua ação política, quer pela sua capacidade de manipular, sem qualquer controle, aberta ou subliminarmente, pessoas influentes, governantes, governados e a mídia.

Acima das nações

Para essas 25 meganacionais não existem nações. O globo é a sua área de ação! Para elas, o conceito de soberania do Estado passou a ser quase que uma espécie de ficção jurídica, facilmente ou não, mas sempre contornável ou passível de ser administrada e ungida aos seus interesses. A escritora americana Janet Lowe, em seu livro O império secreto, afirma que “essas companhias têm um ar singular de autoconfiança, que advém de seu absoluto e inflexível controle econômico”.

“Elas são as aristocratas do mundo dos negócios. Os seus superintendentes, quer nos agrade ou não a ideia, estão e estarão lado a lado com presidentes e primeiros ministros para determinar com que rapidez e em que direção o mundo deve girar.” Atrás dessas meganacionais estão, como seus donos ou acionistas majoritários, as famílias que detém, hoje, um poder jamais desfrutado pelas antigas casas reais, mesmo nos tempos das monarquias absolutas. Lowe acrescenta:
"A maioria das meganacionais opera em indústrias ou negócios que são fundamentais, de uma forma ou de outra, para o nosso conforto, segurança, bem-estar, isto é: alimentos, remédios, transportes, armamentos, combustíveis, comunicações, com capital e tecnologia suficientes para manter algumas nações (onde estão sediadas) cada vez mais fortes e a taxa de emprego sempre alta."

Essas são as chaves para manter firme a autoridade empresarial. É estranho que se saiba tão pouco sobre esses homens tão poderosos. Eles vivem nas sombras, vivem longe das luzes do palco, nos bastidores -sem chamar a atenção- influenciam governos, determinam se uma economia local prospera ou fenece e, com demasiada frequência, opinam se devemos viver ou morrer; sobre o que devemos comer ou vestir; sobre o que devemos ler, ouvir ou ver nos meios impressos ou eletrônicos.

Por que esses donos do mundo preferem viver e agir nas sombras? Na verdade, não querem expor-se ante os riscos que correriam. Vejamos dois exemplos desses riscos:
1º- Na década de 70, um dos membros da Bunge e Born -grupo argentino que controla variados e imensos negócios no planeta- foi sequestrado. O seu resgate ficou em 250 milhões de dólares.

2º- Em 89, Alfred Errhansen, presidente do Deutsche Bank (a quinta maior meganacional do mundo) saiu de um balneário e entrou em sua Mercedes-Benz, super blindada e seguiu sob proteção de uma escolta de dois carros com seguranças.

Uma bomba explodiu, transformando a limusine numa bola de fogo. Alfred morreu na hora. Era um dos homens mais poderosos do mundo. Dias antes do atentado, em entrevista a revista financeira Euromoney, perguntado se conhecia uma organização com o mesmo poder do Deustche Bank, respondeu: “não conheço nenhuma na Alemanha”. Essas imensas corporações mantêm ligações e interesses entre si por meio de suas juntas diretoras ou mediante participações acionárias.

Interligações

Ligações entre as juntas diretoras das 25 meganacionais. As empresas são as seguintes: Siemens, Royal Dutch/Shell, Philip Morris, Nestlé, Sakura(Mitsul Taiyo Kobe Bank), Mitsubishi Bank, Merck, Matsushita, IBM, Hitachi, General Motors, General Eletric, Fiat, Exxon (Esso), Du Pont, Deutsche Bank, Daimer-Benz, Dai-Ichi Kangyo Bank, Coca-Cola, City-Corp, Bristish Petroleum, Bristol-Myers Squibb, AT&T, Unilever e Sumitomo Bank.

A Gazeta Mercantil de 18 de maio de 1994 publicou uma reportagem, traduzida do Business Week, sobre os maiores lucros obtidos por meganacionais no primeiro trimestre daquele ano.
Das 15 companhias que mais lucraram no período, nove figuram na relação das 25 meganacionais. A matéria também destaca que os ganhos mais polpudos foram obtidos por empresas que atuam nos setores de impressão e publicidade, os quais tiveram um acréscimo de 531% em seus faturamentos, em relação ao primeiro trimestre de 1993.

Os setores de radiodifusão e os de telecomunicações, no mesmo período, aumentaram seus lucros em 45%.

EMPRESAS COM MAIORES LUCROS NO 1º TRIMESTRE DE 1994
Companhias
Lucros em US$ milhão
Philip Morris
1.771
General Motors
1.612
Exxon
1.160
AT&T
1.094
General Eletric
1.068
Chrysler
938
Ford
904
Wal-Mart Stores
868
Merck
675
Du Pont
642
Intel
617
City-Corp
609
Bell-South
585
Bristol-Myers Squibb
581
Johnson & Johnson
544

Controle da mídia

A atuação dessas organizações na interferência dos meios de comunicação é caracterizada pela máxima descrição. Vai desde o atrativo representado pela destinação de imensas verbas publicitárias até a compra de ações visando à participação nos seus negócios ou algo parecido. Vejamos alguns exemplos:
1º- A meganacional General Eletric (GE) adquiriu o controle da RCA Victor, gigante do setor de produtos eletrônicos e fonográficos e dona da cadeia NBC de TV, uma das três maiores do mundo.

2º- O jornal Estadão de 23 de julho de 1994, noticiou que o Chase Manhatan Bank, por intermédio de suas afiliadas, se associou ao Grupo Abril. A transação envolveu a venda de 17 das ações da TVA, que tem como sócios o Grupo Abril (81) e Mathias Machline (3), por 35 milhões de dólares.
A TVA contava (julho de 94) com 185 mil assinantes e estava às voltas com dívidas de 98 milhões de dólares. O diretor superintendente da TVA, Walter Longo, declarou que “com o reforço de capital, garantimos a execução dos nossos projetos de expansão”, para superar a marca de 200 mil assinaturas, a partir da qual começam os lucros do investimento.

3º- O Jornal do Brasil, desde o ano de 1993, tem na sua diretoria um representante do Morgan Trust Bank. A presença desse integrante no quadro diretivo do JB é justificada pelo empréstimo que o jornal recebeu do Morgan e que necessita ser administrado de perto.
Assim, aos poucos, os tentáculos das meganacionais vão conseguindo mecanismos para influenciar os meios de comunicação. Esse propósito é alimentado pela certeza de que a Comunicação hoje é poder.

Wilbur Schramm, professor da Universidade de Stanford, Palo Alto, Califórnia, diz que “a capacidade de determinar, dirigir e selecionar informação, pode transformar-se numa fonte de poder comparável a dos detentores dos grandes recursos naturais, tecnológicos e econômicos”.
Essa afirmativa vem se confirmando ao longo do tempo, pois é facilmente comprovável através da formação de uma nova ordem informativa mundial, bem diferente daquela sonhada e proposta pelos integrantes da Comissão MacBride, da UNESCO, no final da década de 70.

A Comissão foi constituída para o estudo dos problemas da Comunicação no mundo. O seu relatório final, propondo a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação (NOMIC), ficou na boa vontade. O relatório foi publicado pela Editora da Fundação Getúlio Vargas em 1983, com o título ‘Um mundo e muitas vozes’.

Luís Ramiro Beltran e Elizabeth Fox de Cardona, em sua obra ‘Comunicação Dominada’, afirmam que a comunicação é uma arena de luta social em um campo de conflito maior. A finalidade das frases de efeito é produzir reações rápidas e uniformes. Atuam como agentes de emoções e preconceitos dogmáticos, excluindo o diálogo sensato e favorecendo o monólogo agressivo, através da dominação cultural, gerando um processo de influência no qual uma nação impõe a outros países seu conjunto de crença, valores, conhecimentos e normas de comportamento, assim como o seu estilo de vida.

A Gazeta Mercantil, de 8 de agosto de 94, publicou um artigo, traduzido do The Economist, cujo título foi ‘As muitas culturas das multinacionais’, no qual se noticia que o número das corporações transnacionais, dos 14 países mais ricos do mundo, vem triplicando.

Esse aumento e a competição acirrada pelo domínio de mercados, estão gerando uma nova figura, a da multinacional transformada ou desdobrada em multicultural. Diz o artigo: “uma organização que se apoia em apenas uma cultura e trata as subsidiárias estrangeiras como silenciosas colônias de produção pode, da mesma forma, contratar subempreiteiras. A tecnologia está lentamente fazendo o mundo parecer menor. A consequência é a reafirmação do poderio influenciador das corporações sem fronteiras”.

Ainda sobre a força dos meios de comunicação (vale dizer, daqueles que os controlam e daqueles, mais acima, que buscam manobrá-los), convém meditar sobre o que afirma o Prof. Wilson B. Key, em seu livro ‘A era da manipulação’:

"A maioria de nós é constantemente pressionada a mudanças de comportamento. Como consumidores, somos incessantemente tentados pelos anunciantes a comprar produtos, marcas e serviços, na sua implacável perseguição aos nossos salários. Como seres sociais somos bombardeados por incontáveis formas de persuasão pelos fanáticos religiosos e ideológicos, para que nos tornemos seus verdadeiros seguidores e obedientes escravos. Algumas destas tentativas são abertas, perceptíveis, claras. Outras são mais sutis, invisíveis para a mente consciente [...]. Virtualmente, todas estas tentativas de conseguir o nosso apoio e a mudança de nosso comportamento são eficazes em alguma medida. Mesmo aqueles que resistem são modificados pela própria resistência. Coletivamente, estas tentativas tornaram os Estados Unidos uma terra de ninguém, com um número crescente de pessoas desesperadas para encontrar algo -frequentemente qualquer coisa em que possam acreditar. Este desespero as torna incomparavelmente vulneráveis às indústrias que manufaturam e administram seus sistemas de crenças."

A maioria das pessoas (especialmente em nossa cultura controlada pela mídia) está inconsciente das hábeis estratégias utilizadas para dirigir nossos destinos. A maioria é educada para ignorar sua participação na consciência cultural, o que a torna suscetível a doutrinações. A vulnerabilidade à manipulação foi cedo imposta às culturas ocidentais por séculos de condicionamento à lógica e à linguagem descritas pelos filósofos da Grécia antiga.

Popularmente, ainda é nutrida a ilusão de que individualmente os seres humanos (cada um por si próprio) têm total controle de seus pensamentos, valores e comportamentos. Acreditamos pensar inteiramente por e para nós mesmos. Esta fantasia alimenta uma auto-percepção que é geralmente perigosa para a sobrevivência e ajustamento do ser humano.

Estaremos exagerando ao insistir no interesse das grandes corporações em influenciar os meios de comunicação?  Vejamos, a respeito, tópicos de depoimentos, extraídos do livreto A empresa e os meios de comunicação, editado pela Brasilit S.A., em 1990.

“Se a imprensa representa a liberdade de expressão, nada mais legítimo do que procurar sensibilizá-la para a defesa dos nossos pontos-de-vista, desde que esse processo se desenvolva dentro do respeito à Ética e à Moral.” Palavras de Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo que acrescenta:
"Penso que todas as empresas, desde as micro até as de grande porte, devem estar preparadas para, no momento certo, investir na Comunicação como fazem nas economias mais avançadas do mundo. Os recursos de Comunicação, numa sociedade democrática, são tão importantes quanto insumos industriais ou bens de capital."

Mário Amato, na ocasião presidente da Confederação Nacional da Indústria, escreveu:
"Muitos acusam os meios de comunicação de exercerem um poder abusivo sobre a Sociedade, em consequência da concentração do poder econômico neste ou naquele grupo empresarial. Na minha opinião, as acusações são infundadas: quem está em segundo lugar irá sempre criticar quem está em primeiro, e assim por diante."

É ainda do mesmo livreto este relato do empresário Roberto Civita, diretor da Editora Abril:
"Há poucos dias fui procurado por um amigo, presidente de um grande banco, que me pediu para publicar, em Veja, uma nota sobre a inauguração da centésima ou milésima agência de seu banco numa determinada cidade. Eu pensei um pouco e perguntei:
- Você tem lido Veja ultimamente?
- É óbvio que sim -ele respondeu- é a melhor revista do país.
- Eu insisti: você tem lido, na revista, notícias como esta que você está me propondo?
- Ele calou-se. Então eu disse: é por isso que você é leitor de Veja, porque ela não chateia."

Poder concentrado

Alterações no mercado publicitário e de mídia vêm mexendo na balança do poder. O boom de fusões está contribuindo para concentrar os gastos em publicidade nas mãos de um grupo cada vez menor de agências publicitárias. Ao mesmo tempo, uma explosão de novas revistas nos EUA está criando uma sangrenta competição por anúncios. Para completar, mais revistas estão se aventurando a tocar em temas sobre sexo e violência, há muito considerados tabus, dando origem a reprimendas e boicotes de grupos conservadores.

Quando uma publicação não cumpre essas leis, a reação pode ser rápida: a Ford Motor Co. retirou anúncios da conceituada New Yorker quando a revista deixou de alertar a empresa sobre um artigo contendo linguagem ofensiva, publicado em junho de 1995. Depois da experiência, a revista criou um sistema para avisar os 50 anunciantes sensíveis sobre artigos que possam causar problemas.

A Chrysler Corp faz parte de um grupo de grandes anunciantes que estão lançando mão de seu peso econômico para alterar as normas do mercado. Embora seja uma prática comum entre empresas evitar publicações consideradas ofensivas, ou cancelar anúncios depois de uma revista publicar algo considerado censurável, algumas companhias estão indo além, ao pedir para serem avisadas sobre futuras reportagens.

A Colgate-Palmolive Co. envia as agências diretrizes proibindo a publicação de anúncios em edições de revistas com conteúdo sexual ofensivo ou qualquer material considerado antissocial ou de mau gosto. Michael Samet, diretor de mídia da principal agência da Colgate (na ocasião), a Young & Rubicam Advertising, afirma que a agência tem um protocolo para garantir que as revistas, nas quais aparecem anúncios da Colgate, obedeçam a essas regras.


REFERÊNCIA
NUZZI, Erasmo de Freitas. Controle e manipulação da mídia (no Brasil e no mundo). Documentos Abecom, São Paulo, nov. 1995, ano 2, número 4, p. 1-6.


Marcos Alexandre
Rio de Janeiro, fevereiro de 1997.