A
entrevista é um processo de interação fonte-jornalista que, bem efetuado,
conduz ao diálogo, meta a ser perseguida. O público percebe quando a entrevista
atinge seu objetivo, ou seja, quando passa emoção e credibilidade através de
uma linguagem de fácil compreensão, geralmente em tom de bate-papo. O processo
de interação se amplia, passando a contar com a participação do receptor
(público), que também se vê envolvido com as questões expostas. É o clímax!
Quando
a entrevista ocorre num clima de ideias pré-estabelecidas, seja por cumprimento
da pauta ao pé da letra ou pelo não envolvimento do jornalista, o diálogo não
se estabelece, e o resultado certamente frustrará o receptor. Neste caso, é
comum ouvirmos comentários do tipo o sujeito nem terminou o pensamento e o
entrevistador já cortou ou passou para outra pergunta.
O
diálogo enriquece, é dinâmico, quase sempre agradável. O monólogo é
autoritário, cansativo e individualista. Quem participa de uma boa entrevista,
de uma maneira ou de outra, é envolvido (via de mão dupla), ora entrevistando,
ora sendo entrevistado. É a arte do saber ouvir, perguntar e dialogar. O
jornalista é o observador participante, e sua presença através de uma atuação
marcante irá enriquecer a mensagem passada pela fonte, o entrevistado.
Os
objetivos a serem alcançados por uma entrevista são: quebrar isolamentos
individuais, grupais e sociais, servindo de pluralização para os discursos,
contribuindo para a democratização da informação, visando o inter-relacionamento
humano. Para o filósofo Martin Buber (1982), o diálogo entre duas pessoas gera
uma interação que percorre o caminho revelação-modificação-crescimento, através
do conhecimento do mundo e delas próprias. Esta situação ocorre no dia-a-dia,
de onde podemos tirar ensinamentos para atuarmos no campo da entrevista
jornalística.
A
entrevista pode ser classificada em três níveis: recolher dados, informar
e motivar, possibilitando criar uma aura de espetáculo ou apontar para a
compreensão dos fatos expostos no processo dialogal.
Antes
de partir para a apuração das informações que compõem a entrevista, o
jornalista deve fazer um levantamento dos dados básicos, requeridos na pauta
(roteiro da matéria), através do departamento de pesquisa do veículo em que
trabalha. Esse procedimento enriquecerá a elaboração da entrevista. Ler textos
sobre o assunto pautado, organizados nas pastas catálogos do arquivo, é uma
prática necessária. Se o veículo não possuir um setor de pesquisa, o
profissional deve buscar outra fonte de informação especializada que lhe
forneça dados preliminares sobre o assunto a ser abordado, evitando, assim,
chegar às escuras ao encontro.
O
jornalismo requer escolha e decisão. Os instrumentos que o profissional tem
para escolher é decidir o que deverá ser publicado dependem da sua formação, de
sua capacidade de olhar, entender e criticar aquilo que se passa ao seu redor. Para
tanto, é necessário refletir, para poder duvidar, ir em busca da informação e
ser o mais objetivo possível na hora de passar os dados para a matéria. Se não
tiver uma visão geral (política, econômica, cultural, etc.) e sensibilidade
acerca do fato, o jornalista terá de fazer esforço para se atualizar, mesmo que
de imediato, recorrendo à pesquisa.
O
perfil do repórter também influi no desempenho técnico da entrevista. Conduzir
o processo de perguntas, interferências e orientações no discurso da fonte
demonstra uma performance madura do profissional. Esse procedimento vai
influenciar no resultado final da entrevista. Para que a matéria não gire apenas
sobre o ponto de vista técnico, é necessário levar em conta alguns aspectos,
tais como: evitar ser agressivo, autoritário e preconceituoso; buscar a
confiança, o diálogo; preparar o terreno, evitando iniciar o cumprimento da
pauta de imediato, aliviando a tensão do encontro através de um bate-papo sobre
amenidades e valorizando o papel social do encontro.
Atualmente,
a maioria das pessoas anda armada em relação às outras, num certo clima
de desconfiança. No contato com os jornalistas, esse clima tende a se agravar.
De início, o repórter é visto como um invasor da privacidade, um deformador
de declarações. No entanto, o profissional experiente aceita o desafio da
interação e transforma o encontro numa boa entrevista. Para isto, é importante
olhar o outro com sensibilidade, com respeito e curiosidade. O desafio deve ser
aceito com criatividade, procurando sempre as inúmeras saídas para chegar ao
diálogo, à troca de informações.
Fonte
e jornalista são personagens que confabulam a respeito das coisas da vida e
trocam opiniões, ao mesmo tempo que se influenciam mutuamente. Quando se
estabelece o processo dialógico, ambos saem contaminados, e o
público é que sairá lucrando com o resultado, transformado em matéria jornalística.
O jornalista deve reconhecer que não é ele que detém a verdade, mas que deve ir
em busca do que a fonte tem a dizer. Por outro lado, hoje a pauta é uma agenda
descolorida, desinteressante, porque será reduzida a um calendário de
coisas oficiais. Para o jornalista Flávio Pinheiro (1994),
talvez pelo seu
passado de escravidão, o Brasil acostumou-se a regras de subordinação e
oficialismo, um dos piores legados do regime autoritário no País, veio reforçar
uma tradição histórica. No caso da imprensa, o jornalismo acha indispensável que
por trás de uma notícia exista uma autoridade definindo-se como tal. Ou seja, o
repórter renuncia ao seu próprio olhar, à sua própria percepção das coisas em favor
de uma autoridade.
As
fontes estão por demais centralizadas em todos os temas pautados. Sempre são os
mesmos personagens dando declarações sobre todo tipo de assunto. As vozes discordantes
possuem cada vez menos espaço na mídia. É preciso que o profissional de
imprensa tome consciência de que o processo jornalístico atual, através do
cumprimento rotineiro das pautas anguladas e encomendadas, não responde ao
anseio do diálogo. A pauta deve tornar-se uma agenda de interesses para
descobrir (desvendar, mostrar) aquilo que o público deseja. Hoje, assistimos o
Estado como um grande provedor de informações, ficando a sociedade com pouco
espaço. A imprensa atenderia melhor ao seu público se desse maior destaque ao
que a sociedade faz fora do ambiente governamental.
Para
o jornalista Cyro Siqueira (1994), “o ideário na atividade jornalística começa
obrigatoriamente por um compromisso ético dos jornalistas e dos meios de
comunicação com o cidadão, com a comunidade, com a sociedade e com o regime
democrático”.
Marcos
Sá Correia (1994) acrescenta:
há 20 anos estamos
vivendo em um País em que as coisas começam a acontecer cada vez mais na
periferia [...], nos municípios ricos, nas novas áreas de pesquisa agrícola e
de desenvolvimento industrial, nas universidades que estão fora do eixo Rio-São
Paulo. Esse mundo é virtualmente ignorado pela imprensa brasileira, porque ela
foi montada em outro tempo, em outro modelo, para cobrir um País que acabou.
Na
busca por um jornalismo voltado ao diálogo e a uma tentativa de compreensão do
modo de ser e de dizer do povo, os verdadeiros protagonistas dos fatos sociais,
os temas merecem uma atitude de pesquisa, desde a pauta até o material
finalizado para a divulgação.
Texto originalmente publicado na revista Comum, v4, n°12, jan-jun 1999. Rio de Janeiro: Faculdades Integradas Hélio Alonso.
Marcos Alexandre de Souza Gomes
Referências
BUBER, Martin. Do
diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva, 1982.
CORREIA, Marcos
Sá. O Brasil que a imprensa não pauta. Revista de Comunicação. Rio de
Janeiro, nº 36, maio 1994, p. 15.
GOMES, Marcos
Alexandre de Souza. Jornalismo, linguagem da simplicidade. Rio de
Janeiro: Litteris, 1991.
PINHEIRO, Flávio. O
Brasil que a imprensa não pauta. Revista de Comunicação. Rio de Janeiro,
nº 36, maio 1994, p. 16.
SIQUEIRA, Cyro. Imprensa
e midiocracia. Revista de Comunicação. Rio de Janeiro, nº 36, maio 1994,
p. 17.