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Antropologia do Consumo: Cultura e Identidade ou "Consumo, logo existo!"

Esta postagem é parte de uma seção dedicada à disciplina referida no título ministrada por três períodos no curso de Publicidade nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), entre 2020 e 2021.

O conteúdo está dividido nos seguintes tópicos:


Identidade definida pelo desejo

A indagação ‘quem sou eu?’ desperta o interesse dos filósofos desde a Grécia Antiga. O sociólogo Colin Campbell considera um erro tomar o conjunto dessa premissa filosófica como um recurso para se entender o mundo cultural e social da sociedade contemporânea. Para ele, adotar essa linha de raciocínio é equivalente a presumir que a astrologia pudesse dar conta de explicar como o universo funciona. Por outro lado, uma gama de autores acredita que os indivíduos hoje estão passando por uma grave crise de identidade, uma vez que as pessoas não pensam por si, mas em grande parte apoiadas discursos midiáticos, com grande destaque para o publicitário. Para eles, hoje em dia não existe decisão autônoma, mas apenas escolha, isto é, o público não decide o que quer, apenas escolhe uma das opções oferecida pelo Mercado.

O mecanismo psicológico deflagrado pelas mensagens publicitárias leva o indivíduo acreditar que de fato necessita de tal produto ou serviço, e que sem isso, ele não é ninguém. Sendo assim, o consumismo constitui-se fundamental para moldar a identidade do Ter, que suplantou o Ser. Essa colocação parece forte, mas quando você pede para alguém se definir, em poucos caracteres, na grande maioria das vezes terá perfis identitários parecidos com: amante de cães (ou gatos); adora viajar; curte tal estilo de música, filme, seriado; gosta de vinho (cerveja, whisky, vodca) e por aí. O que podemos tirar disso é que o material predomina sobre o existencial. As redes sociais são um excelente exemplo do exposto acima. O Ser já não é; ele deseja Ter, pois acredita que sem os bens materiais ele não está completo.

Os autores que adotam a linha marxista acreditam que o trabalho deve ser organizado para o bem coletivo, de modo a beneficiar especialmente os envolvidos no processo produtivo (seja material ou intelectual), e não para o lucro dos patrões. Os recursos gerados pelo trabalho devem ser igualmente distribuídos entre aqueles que o executaram. Sob essa ótica, o que definiria o indivíduo seria o seu papel social, dentro dessa engrenagem produtiva, com vistas a ser uma parte de um todo.

Hoje, as pessoas buscam afirmar suas identidades conforme interagem com itens de consumo massificados (mercadorias, marcas, comportamentos, modas), enquanto que antes, a experiência de coletividade advinda da consciência de classe era o que balizava a forma como os indivíduos se identificavam (trabalhador, comerciante, assalariado). Em outras palavras, se antes as pessoas buscavam associar-se pelas afinidades, atualmente elas buscam destacar-se pelas diferenças. É nesse contexto histórico de produção concreta de desigualdades que a armadilha da identidade mostra seus contornos.

De forma bastante reducionista, podemos dizer que o logro do consumo consiste na captura ou sedução egóica e até, por que não, hedonista. A relação interpessoal deixa de ser motivada pela solidariedade, tornando-se uma relação contratual entre duas ou mais partes envolvidas, com interesses, muitas vezes, desencontrados. Esse caráter puramente econômico sobrepujou o fator humano. O objeto fruto do trabalho é sobrevalorizado em relação ao sujeito trabalhador. A coisa vale mais que a pessoa. Uma bolsa da marca X ou um carro da marca Y vale mais do que o salário de quem participou da produção dessas mercadorias.

O capitalismo neoliberal tem deixado pelo caminho um exército de sujeitos despolitizados. A mídia, com sua agenda negativa, desacredita as pessoas quanto à política, inculcando a ideia de que tudo vai mal e de que não há saída. Em um mundo centrado na objetivação dos indivíduos em nome do lucro, a eliminação da política pelo capital é uma ameaça real. A transformação da política em negócio põe em risco a viabilidade da própria política enquanto instrumento civilizatório. Não é raro ouvirmos sobre casos de linchamento virtual, seja pelo viés ideológico de direita ou de esquerda. Esse acirramento dos fundamentalismos identitários acaba por ocasionar a deterioração das relações interpessoais.