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Antropologia do Consumo: A Sociedade de Consumo e autoexploração

Esta postagem é parte de uma seção dedicada à disciplina referida no título ministrada por três períodos no curso de Publicidade nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), entre 2020 e 2021.

O conteúdo está dividido nos seguintes tópicos:



A autoexploração na Sociedade do Consumo

Para o filósofo Byung-Chul Han, “hoje o indivíduo se explora e acredita que isso é realização” (El País Brasil, 07 fev. 2018). O filósofo sul-coreano é um dos mais reconhecidos dissecadores dos males que acometem a sociedade hiperconsumista e neoliberal depois da queda do Muro de Berlim.  

Sua obra (trabalhada em mais de 20 livros) frequentemente aborda as pressões do consumismo sobre o indivíduo, de quem é exigido um constante estado de felicidade, mediante plena imersão na lógica capitalista: escravização pela ditadura da beleza, pelas redes sociais, pela publicidade, pelo abuso de fármacos - uma espiral que acaba por mergulhá-lo na depressão. A sociedade da qual esperava-se participar como cidadão passa a selecionar para seu círculo aqueles que desempenham poder e disposição para consumir.
De acordo com Byung, “quem falha na sociedade neoliberal de desempenho se responsabiliza e envergonha, em vez de questionar a sociedade ou o sistema. Essa é a inteligência especial do regime neoliberal. (...) No regime neoliberal de autoexploração, a pessoa dirige a agressão a si mesma. Essa autoagressividade não torna o explorado revolucionário, mas depressivo (El País Brasil 07 fev. 2018).
Na sua visão de mundo, construída sobre a tese de que atualmente as pessoas exploram a si mesmas e têm pavor do outro (do diferente), os consumidores vivem uma saga “no deserto, ou no inferno, do igual”. Para ele, as pessoas se vendem como autênticas porque “todos querem ser diferentes uns dos outros”, o que força cada um a “produzir a si mesmo”. E é impossível ser verdadeiramente diferente hoje porque “nessa vontade de ser diferente prossegue o igual”. Resultado: o sistema só permite que existam “diferenças comercializáveis”. (El País Brasil 07 fev. 2018)

Na opinião do filósofo, o “dever fazer” cedeu vez ao “poder fazer”, e passamos a viver “com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito”, e se não somos vencedores, a culpa é nossa. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome de burnout”. A consequência é que “não há mais contra quem direcionar a revolução”, já que “a repressão não vem mais dos outros”. É “a alienação de si mesmo”, que no corpo físico se traduz em anorexia, bulimia, compulsão alimentar, no consumo exagerado de remédios, bebidas, entorpecentes ou de entretenimento (El País Brasil 07 fev. 2018).


Outros dois estudiosos, os franceses Pierre Dardot e Christian Laval, acrescentam outros elementos que conversam com as ideias do filósofo sul-coreano. Para eles, a concepção que descreve o homem do século XXI como “hipermoderno, impreciso, flexível, precário, fluido e sem gravidade” converge para o cruzamento dos trabalhos da sociologia e da psicanálise, revelando uma nova condição do ser humano, a qual afeta a própria psique.  

Esse novo estado subjetivo é apresentado na literatura clínica como a era do discurso científico-capitalista. É a mudança do homem produtivo para o homem-empresa ou sujeito empresarial. Aqui temos o coletivo sendo engessado pelo individualismo. O homem calculador do mercado e o homem produtivo das organizações industriais foram sintetizados no atual homem neoliberal competitivo, inteiramente imerso na competição mundial.

As lutas anteriormente travadas na sociedade entre classes em busca de interesses coletivos, agora são individualizadas, ou seja, cada um por si. O homem moderno se dividiu em dois: o cidadão dotado de direitos e deveres e o homem econômico guiado por seus interesses pessoais; em outras palavras, o homem como fim e o homem como instrumento. Nessa contenda, o segundo homem saiu-se vitorioso. A mercantilização das relações sociais emancipou o indivíduo das tradições, raízes, apegos familiares e fidelidades pessoais. O deus mercado se impôs sobre os laços sociais, inclusive os familiares. Esse conjunto de fatos históricos atualmente é conhecido como individualismo moderno.

Mas esse ser individualizado precisa ser controlado pela nova política econômica; ele será constantemente vigiado pelo modelo panóptico erguido em glória pela vigilância das Big Techs. Qual o sentido disso? Fazer o sujeito acreditar que assim terá maior felicidade, pois a tecnologia está a seu dispor, facilitando-lhe o trabalho (home office), o acesso ao entretenimento (streaming) e o contato com tudo e todos (redes sociais). O que importa é fabricar homens úteis, dóceis ao trabalho e dispostos ao consumo. A lei da eficácia é intensificar os esforços para garantir bons resultados, maximizando lucros e minimizando gastos.

A doutrina econômica que hoje predomina no Ocidente e penetra perigosamente no Oriente é o neoliberalismo caracterizado por uma homogeneização do discurso do homem em torno da figura da empresa. É o sujeito unitário que colabora com a empresa com vistas a conquistar seu primeiro milhão, motivado a trabalhar para a empresa como se trabalhasse para si mesmo. Aprimorando sua própria eficácia, intensificando sua dedicação, preparando-se para ser merecedor de um lugar ao sol. Essas técnicas refinadas de estímulo, incentivo e motivação são implementadas pelo capital nas empresas e no mercado.

A novidade agora consiste em promover uma reação em cadeia que gere sujeitos empreendedores, os quais irão reproduzir o modelo descrito no parágrafo acima, renunciando aos seus direitos trabalhistas e aumentando suas performances para ajustarem-se às novas condições de exploração com a promessa de uma ascensão meritocrática. Surge daí o especialista em si mesmo, aquele que é empregador, empreendedor, inventor e explorador de si mesmo. A nova lógica do mercado é colocar os indivíduos para competirem entre si. Só os fortes irão sobreviver. A economia torna-se uma disciplina pessoal, sendo o objetivo principal mudar a essência do ser humano para torná-lo um sujeito-empresa.